A RTP Informação realizou ontem um debate sobre a introdução da TDT em Portugal. Como referi em comentário no post anterior, para além do contra-senso do debate se realizar num canal acessível apenas a subscritores de televisão paga ou seja, os menos afectados pelo desligamento das emissões analógicas, não esperava resultados positivos. Infelizmente o meu pessimismo era justificado. Assistimos a um debate em que a ANACOM, representada por Eduardo Cardadeiro, se recusou a assumir qualquer erro no processo apesar das criticas agora generalizadas. Infelizmente o representante da ANACOM conseguiu desmentir alguns factos sem ser devidamente contraditado. Eis algumas das contradições que facilmente poderão ser identificadas na posição da ANACOM:
Segundo Eduardo Cardadeiro as populações estão devidamente informadas e não há motivo para adiar o "apagão", pois o mesmo afirma que "no início de Dezembro 50% da famílias que tinham que fazer a migração já o tinham feito". Este valor é muito diferente do apurado pelo estudo realizado pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias no âmbito do projecto "ADOPT-DTV", que no final de Setembro tinha apurado uma taxa de migração de apenas 3% das famílias sem televisão paga! Ou seja os dados da ANACOM, supõem um salto de 47% no espaço de dois meses!
Mas confrontemos esta declaração do representante da ANACOM com outra proferida pelo mesmo há pouco mais de um mês, em 27/11/2011 na apresentação da nova campanha publicitária da TDT:
«De um total de 1,3 milhões de lares que se estima precisarem de fazer a mudança para o digital, (...) a Anacom admite que apenas menos de 200 mil já o fez. "Em termos absolutos, a venda de descodificadores estará muito aquém do necessário para fazer a migração", declarou Eduardo Cardadeiro, administrador da Anacom, na conferência de apresentação da nova campanha publicitária. (...) Dos 1,3 milhões de famílias que têm de se adaptar, um milhão está na zona que terá de o fazer até 12 de Janeiro.» Negócios Online, 28/11/2011.
Fazendo as contas, e considerando apenas as famílias afectadas pelo 1º "apagão", temos:
200.000 / 1.000.000 = 20% das famílias
Ou seja, em poucos dias, de 27 de Novembro até a o inicio de Dezembro, os valores de famílias que terão feito a migração teria passado de 20% para 50%!
Aceitando os valores da ANACOM, teríamos no inicio de Dezembro de 2011 ainda 500.000 famílias não preparadas para a migração. Ora do inicio de Dezembro a 12 de Janeiro são cerca de 40 dias. Dividindo 500.000 por 40 chegamos a 12.500 famílias/dia. Ou seja, para chegarmos a dia 12 de Janeiro com todas as famílias preparadas para o "apagão", seria necessário adaptar em média 12.500 famílias por dia, e isto incluindo domingos e feriados.
Outra questão que foi (mal) desmentida no debate prende-se com a questão do simulcast da emissão analógica e digital. Para dar tempo às populações de adaptarem as suas instalações para o digital e se corrigirem eventuais problemas na recepção do sinal, a própria ANACOM decidiu que os retransmissores a seleccionar para os desligamentos piloto teriam que obedecer a várias condições:
«(...)(iv) que na data de desligamento do retransmissor analógico, a população abrangida seja servida há mais de um ano por emissões de televisão digital terrestre (simulcast).»
ANACOM – Plano detalhado Cessação Emissões Analógicas, 28/06/2010
Mais, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 26/2009, estipula o seguinte:
«(...) O referido título explicita que, com a implementação da rede no final do 4.º trimestre de 2010, deve ser garantida a cobertura de 100 % da população. (...) sendo que se considera dever ser assegurado um período de difusão simultânea analógica e digital terrestre, vulgarmente designada por simulcast, não inferior a 12 meses, por forma a ser minimizado o impacte junto dos consumidores. (...)».
Ou seja, a lei diz que deverá ocorrer um simulcast de 12 meses, não estipula que o período de simulcast se aplica apenas às zonas piloto! Outra coisa nem faria sentido. Ora, isto não irá ser cumprido pois muitas zonas do país irão perder o sinal analógico sem cumprir o período de simulcast de um ano. Isto porque, como já referi em posts anteriores, muitos dos emissores TDT entraram em funcionamento só há alguns meses atrás! De Março a Outubro de 2011 a PT comunicou a entrada em funcionamento de 20 emissores:
Avis, Bufão - Ponte de Sôr, Gaia – Castelo, Odivelas – Centro, Padrela, Trevim, Rio Maior, Coimbra Centro, Viana do Castelo, Marvão, Estremoz - Quinta da Esperança, Pombal, Lisboa – Trindade, Castro Verde, Póvoa de Lanhoso, Caramulo, Aldeia de Juso, Lagos Norte, Mirandela e Évora Centro.
A comunicação da entrada em funcionamento do último emissor abrangido pelo desligamento de 12 de Janeiro (Lagos Norte), foi feita apenas a 30/09/2011 e os primeiros a 2/05/2011. Ou seja a população servida por estes emissores terá "direito" a um período de adaptação para a migração muito inferior ao resto país! Não é cumprido o período mínimo de simulcast, nem para o "apagão" de 12/01/2012 nem para o de 26/04/2012.
Relativamente aos níveis de cobertura, que o representante da ANACOM afirma compararem bem com outros países, a questão não foi devidamente explorada. Tomando como exemplo a nossa vizinha Espanha, com muitas zonas de geografia acidentada, aí a taxa de cobertura dos Muxes onde são emitidos os canais do serviço público é de 98,5% da população. É graças ao bom nível de cobertura que muitas zonas de fronteira recebem a TDT espanhola mas encontram grandes dificuldades para receber a portuguesa. E não devemos esquecer-nos que em Portugal a maioria das zonas que serão servidas por satélite, são zonas onde as populações têm em regra rendimentos mais baixos, certamente muito inferiores ao de outros países!
Outra das questões que não foram suficientemente rebatidas prende-se com o custo do kit TDT Complementar, que é muito superior ao custo típico para receber o sinal terrestre. Não foi explicado porque o segundo e terceiro receptores têm um valor substancialmente superior ao primeiro (96 Euros). Como a maioria das famílias irá necessitar de comprar mais do que um receptor, a PT irá certamente recuperar o valor que ficou obrigada a subsidiar com a venda do segundo e terceiro receptores! Da mesma forma, é inequívoco o que está escrito no título habilitante (artº 9, nº 2) relativamente à obrigação de subsidiação dos custos de adaptação, de forma a não serem superiores aos da recepção por via terrestre, como aliás referi em várias ocasiões neste blogue. Mais uma vez a ANACOM desmente-se a si própria!
Como afirmei em ocasiões anteriores, e alertei o Governo, estou plenamente convencido que se o switch-off analógico for avante com esta oferta de canais, a TDT portuguesa ficará parada no tempo, para perda de todos. A isso há que dizer NÃO!
Video do debate:
06/01/2012: 1º "Apagão" adiado em vários pontos do país!
O "GRANDE APAGÃO" FOI AFINAL SUBSTITUIDO POR VÁRIOS "PILOTOS".
A ANACOM acaba de anunciar o "ajustamento" do calendário do switch-off.
«Esta conclusão está em linha com os resultados dos inquéritos levados a cabo em dezembro último, que revelam existir ainda uma percentagem não negligenciável de lares que, estando abrangidos pela 1.º fase do PSO e necessitando de se preparar para a receção da televisão digital terrestre, declaram que ainda não efetuaram essa preparação, nem o tencionam fazer.» extracto da decisão da Anacom
Na prática A ANACOM ADIOU O SWITCH -OFF em várias zonas do país, nalguns casos em mais de um mês. Informo que estes desligamentos são levados a cabo por pessoal técnico da PT afecto a várias áreas de intervenção (zonas do país).
Na minha opinião, na prática pretende-se desta forma (fragmentando o "apagão" por vários "apagões" de menor dimensão e impacto) diminuir o impacto de uma eventual reacção negativa das populações e as repercursões nos meios de comunicação social. Dividir para conquistar...
Consulte aqui a decisão da Anacom com o faseamento do Switch - Off.
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