segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O Futuro do Serviço Público de Rádio e Televisão

Como é do conhecimento público, o Governo reafirmou a sua intenção de privatizar parte do serviço público de rádio e televisão. A justificação é a contenção de custos. Prevê-se assim que em 2012 a RTP1 desapareça dos ecrãs e dei-a lugar a mais um canal privado.

Que é necessário reduzir drasticamente os custos da televisão pública, não tenho duvidas. Está à vista de todos que a RTP gasta claramente acima das possibilidades do país. Descontadas as especificidades do serviço público, as televisões privadas fazem o mesmo (e muitas vezes melhor) com menos recursos. Apesar de acumular dívidas milionárias, a RTP tem gasto dinheiro “à grande”, apresentando novos projectos que pouco ou nada têm a ver com a sua missão de verdadeiro serviço público. Mas, ao mesmo tempo que continua a fornecer o acesso exclusivo a programas pagos pelos impostos de todos os portugueses aos operadores de televisão paga, não gasta um centavo com a Televisão Digital Terrestre!

Privatizar um dos canais é a pior solução. A poupança será mínima e o país ficará com um serviço público mais pobre.

O Governo pediu à RTP a apresentação de um plano de reestruturação contemplando já a alienação da RTP1. Na minha opinião saltou um passo essencial. Antes de apresentar o plano de reestruturação, a RTP deveria ter sido alvo de uma inspecção pelo Tribunal de Contas. Estou certo de que seriam encontradas formas de se poupar muitos milhões.

O pior de tudo é que, com um serviço público de televisão de um único canal, a tentação de “desfigurar” a RTP2 vai ser enorme. É na RTP2 que o verdadeiro espírito de serviço público se cumpre. O canal não se orienta pela lógica populista e, necessariamente, tem um share muito baixo, mas normal para este tipo de canais. Sem a RTP1, a tentação de transformar a RTP2 numa espécie de salada russa televisiva vai ser enorme. Imaginam o que seria a RTP2 com: novelas, concursos, talkshows de manhã e à tarde, futebol, missa, etc? A pressão para aumentar o share do canal pode fazer com que os portugueses fiquem sem um espaço único na televisão portuguesa. Mesmo sem a RTP1, os custos não irão baixar consideravelmente e o serviço público acabará por se tornar num alvo ainda mais fácil de pressões, pois acabará por gastar quase o mesmo e (se não houver uma reformulação profunda da RTP2) terá audiências muito inferiores às actuais.

Sem a RTP1, muitos artistas portugueses irão também perder um espaço que, apesar de todas as criticas, lhes permite recuperar das barbaridades cometidas pelos programadores dos canais privados. Ninguém pode ignorar o que as mudanças de horários (com total desrespeito pelos telespectadores), fizeram a alguns programas. Dou o exemplo da SIC com o “Programa da Maria”, da Maria Rueff. Com um serviço público mais fraco teremos inevitavelmente pior televisão!

Não será de estranhar que um dos interessados à privatização da RTP1 seja a “incontornável” PT. Ainda há bem poucos meses a PT tentou entrar no capital da TVI (embora tenha negado) e o negócio só não aconteceu porque rebentou um escândalo. Na rádio, alguns grupos privados têm andado a "comprar" frequências locais, criando redes nacionais virtuais. Agora surge a intenção de privatizar a RTP1 e também um ou mais canais da rádio pública (Antena 1, Antena 2, Antena 3...). Será apenas coincidência, ou será a crise mera desculpa para saciar interesses privados?

Como já disse, acho que a reestruturação do serviço público está a ser mal conduzida. Que sentido faz criar um Grupo de Trabalho para definir o que é serviço público, quando à partida já se decidiu privatizar canais de televisão e rádio. E se o Grupo de Trabalho, que se supõe autónomo e isento, concluir que o serviço público de televisão, para cumprir os seus objectivos, necessita de dois canais? Irá o Governo dar o dito por não dito? Não faz sentido.

Actualização:
O programa "A Voz do Cidadão" da RTP abordou o tema no seu último programa. Pode consultar a emissão aqui.

Posts relacionados:
Televisão Pública: públicas virtudes, vícios privados
RTP vs. TDT
RTP-N e RTP Memória na TDT - BE também apoia
Portugueses querem RTP Memória na TDT
Caos na TDT – Governo pondera adiar “apagão” analógico!

8 comentários:

songohan disse...

Como postei na altura em que foi anunciado o grupo de estudo (aquele que o governo diz que não custa nada ao erário público...), a decisão já estava criada e o grupo só serve para validar a decisão do governo.
Daí terem sido escolhidas pessoas que há vários anos defendem a extinção do serviço público de televisão e rádio.
Agora que estamos a cerca de 2 semanas da entrega do estudo, já temos a decisão do governo de começar a tratar da venda do canal 1 até 30 de junho de 2012. Também já se viu o arquivo da RTP a ser adquirido por um instituto público para que a RTP antecipasse a redução do passivo e fosse ficando pronta para se ir dividindo a estrutura de modo a poder ser vendido o canal 1 e várias estruturas, ficando o canal 2 com a simples logística para coberturas ao nível regional e a apresentação de séries.
Sendo que isso mantêm o valor da taxa audiovisual para cobrir as custas do canal 2, porque a publicidade não dará nenhum lucro ao canal.
Pior que isso, foi ver serem gastos vários milhões na restruturação da imagem da RTPN e ficar tudo na mesma.
Porque é que o governo não agarrou nesse dinheiro todo que foi gasto, mantinham boa parte da RTPN e passavam o canal para um dos espaços livres na TDT. O canal hd está lá a ocupar espaço para ter a tela negra... tiravam o canal HD e metiam lá a rtpn.
Ainda tenho esperanças que no ínicio de Novembro quando começarem a divisão do canal 1 do resto da RTP, que a RTP memória seja a surpresa para o 5 canal livre nacional.
Com o governo a ficar com o arquivo, a RTPmemória vai passar a pagar um valor pelos programas que emite. Porque não aproveitar esse valor e colocar o canal em livre?
Era assim que se promovia a tdt... e não a andar a pagar a artistas para falarem do que é a TDT.

Yagi (autor do blog) disse...

«Daí terem sido escolhidas pessoas que há vários anos defendem a extinção do serviço público de televisão e rádio.»

songohan, importa-se de enumerar quais as pessoas do grupo de trabalho que já defenderam a extinção do serviço público e quando/onde manifestaram essa opinião?

CMatomic disse...

boas yagi, no ultimo programa do Provedor da RTP foi dedicado ao serviço Público televisivo e a sua importância ,o programa demonstrou muitas vozes discordantes sobre o papel do serviço público , uma da vozes mais discordantes foi o Senhor Pacheco Pereira, editei o programa e destaquei a opinião do senhor Pacheco Pereira , poderão ver aqui
http://youtu.be/yRMKyiqZ6cI

Ándre disse...

Caro Yagi, vi num fórum da especialidade que a RTP1 e 2 é "desligada" em janeiro já no litoral, isto compreende apenas os retransmissores e emissores da fase 1 nao é?

Yagi (autor do blog) disse...

Obrigado pelo link CMatomic. Se bem entendi a posição do Sr. Pacheco Pereira, ele defende um serviço público, mas noutros moldes. O essencial é que haja serviço público com qualidade, o modelo é o menos importante.

Deixaram a RTP chegar a este ponto e agora alguns (que provavelmente têm TV paga), querem acabar com o serviço público...

Yagi (autor do blog) disse...

Caro André, se eu fosse a desmentir todas as asneiras que se publicam em fóruns, não me sobrava tempo para mais nada. A informação foi publicada no Blogue TDT em Portugal no próprio dia em que foi conhecida, está na coluna direita.

O que está programado para Janeiro de 2012 é desligar-se uma faixa do litoral, não é todo o litoral, como a própria ANACOM referia erradamente na sua propaganda e que só há algumas semanas finalmente corrigiu. O desligamento é para todos os canais: RTP, SIC e TVI (embora em relação à TVI exista a possibilidade de não ser cumprida, pelos motivos que já justifiquei em post anterior).

O plano detalhado está aqui:
Anacom aprova plano de cessação das emissões analógicas terrestres

Yagi (autor do blog) disse...

«Antes de apresentar o plano de reestruturação, a RTP deveria ter sido alvo de uma inspecção pelo Tribunal de Contas. Estou certo de que seriam encontradas formas de se poupar muitos milhões.»
Blog TDT em Portugal

Agora são os próprios trabalhadores da RTP que pedem uma inspecção do Tribunal de Contas!

songohan disse...

(estava com dificuldade em encontrar este).
Yagi o João Duque participou num pequeno seminário sobre "Económia Pública e os meios de comunicação social" em que ele participou no ínicio de 2010 e que tem corrido várias universidades e institutos, ele defendeu que não devia existir NENHUM canal de televisão ou rádio ligado ao sistema governamental. Nos feitos este ano sei que ele só participou num no ISEG mas não sei o que lá terá dito.

Por outro lado, estive fora do país a tentar a sorte e ver TDT de outros países europeus é o estar no céu. No Sul de frança, nalgumas localidades, existem umas antenas de recepção e amplificação que permitem a pequenas vila terem a TDT francesa e Italiana. (tem é alguns problemas nos canais sobrepostos mas são muito poucos... principalmente são canais de vendas)

Agora recebi a notícia que já há demissões no grupo que está a tratar de definir o que é serviço público... sendo que 2 pessoas demitiram-se já em Outubro depois do "adiamento".
Hoje demitiu-se a Dra Felisbela, porque o grupo vai prôpor o encerramento da RTP Informação e a redução dos serviços noticiosos no canal 2. Sendo que a secção informativa da RTP seria reduzida a poucos jornalistas só para fazerem cobertura de "acontecimentos jornalisticos de interesse nacional".

(a sic já se antecipou... acabei de encontrar um link com várias informações extra)

http://sicnoticias.sapo.pt/economia/2011/11/09/tres-demissoes-na-comissao-para-definir-servico-publico