segunda-feira, 21 de setembro de 2015

TDT, Politica e Democracia

Como sabem, tenho manifestado a minha crescente decepção com o Governo e a forma como a questão da Televisão Digital Terrestre tem sido conduzida. Vários meses passaram desde o último post e, sem surpresa, o Governo PSD/CDS irá terminar quatro anos de governação sem melhorar a oferta de canais da TDT. Isto, apesar dos problemas já terem sido identificados e soluções apresentadas. A sociedade civil e as entidades com responsabilidade na matéria já declararam posição idêntica aquela pela qual venho lutando desde 2009: a TDT está subaproveitada, a oferta de canais deve aumentar, o serviço público pode e deve disponibilizar na TDT pelo menos a RTP Memória e a RTP Informação, em sinal aberto. Falta decisão política para avançar! 

Como afirmei na consulta pública sobre o futuro da TDT, a subserviência do Governo aos interesses dos operadores privados (que se têm oposto à disponibilização de mais canais na TDT), é indigna! É um insulto a todos os portugueses! 

Chegamos ao fim de mais um ciclo de “governação” onde nos é pedido para reflectir e participar no acto eleitoral que se avizinha. Será pois impossível esquecer a actuação desastrosa da coligação PSD/CDS em matéria de televisão! 

Quem poderá esquecer a tentativa atabalhoada de venda da RTP2, só travada in extremis pela indignação generalizada? O encerramento das emissões em Onda Curta com base em estudo “inquinado”? A mixórdia de temáticas em que foi transformada a RTP Internacional? A continuação, sem corrigir caminho, da pouca-vergonha iniciada no Governo de José Sócrates que foi a forma como foi conduzida a migração para a TDT, que ainda hoje causa transtornos e despesas aos cidadãos e ao Estado? O chumbo pela coligação PSD/CDS das propostas de outros partidos que faziam eco das aspirações dos cidadãos e que pretendiam disponibilizar a RTP Memória e a RTP Informação em sinal aberto na TDT? As demissões de dois administradores da RTP e do provedor do ouvinte? A promessa não cumprida de Poiares Maduro ? É inesquecível… 

Relativamente à RTP, o Governo diz haver autonomia de gestão e refuta ingerências, mas demitiu o novo administrador por si nomeado e que mal tempo teve de aquecer o lugar, tendo o mesmo desabafado que o Governo estava a fazer o jogo dos privados. O anterior demitiu-se afirmando que «um gestor não tem de aceitar todas as trapalhadas».

Infelizmente a estação pública imitou os canais privados e aderiu à “moda” das chamadas de valor acrescentado que de manhã à noite, sem piedade, são impingidas aos telespectadores! 

Nota positiva para os espaços de antena dedicados a programação normalmente exclusiva da RTP Memória, através dos programas “Inesquecível”, “Agora Escolha” e “Memórias da Revolução”. Para tal poderá ter contribuído o facto de, pela primeira vez, ter ficado escrito num relatório (da ANACOM) que a maioria dos particulares pretende ver disponibilizada a RTP Memória na TDT. As dezenas de cidadãos que manifestaram esse desejo na consulta sobre o futuro da TDT, acrescem aos 1505 cidadãos que em 2009/2010 assinaram a petição pública criada pelo blogue TDT em Portugal e recebida pelas entidades competentes. É uma pequena vitória! 

Tal como informei em Outubro de 2013, presume-se que o Governo pretenda transformar a RTP Informação num canal de cariz essencialmente regional. Presumivelmente, deverá assim acabar a concorrência à SIC Notícias e TVI 24 que havia motivado queixas desses operadores. A partir de 5 de Outubro de 2015 o canal irá mudar de nome (novamente), passando a designar-se RTP3. Muda o nome mas mantém-se a exclusividade para as plataformas de TV por subscrição! Veremos quanto tempo dura este novo modelo… 

Como afirmei em consulta pública, as televisões portuguesas em vez de, à semelhança do que aconteceu nos outros países, terem aproveitado as potencialidades da TDT para disponibilizarem uma oferta alargada de canais em sinal aberto, adoptaram uma política de terra queimada e apostaram tudo no cabo. Resultado, as famílias migraram em massa para os operadores de TV por subscrição. Agora começam a sofrer as previsíveis consequências com a crescente diminuição do share dos seus canais no cabo e das receitas pagas pelos operadores. 

Ao fim de quatro anos de estudos, grupos de trabalho, consultas públicas, audições na A.R., comissões parlamentares de inquérito e dois ministros, a TDT portuguesa continua na mesma, a mais pobre da Europa. Sobrou demagogia e faltou acção! 

Pior ainda, ao fim de quatro anos a coligação PSD/CDS ainda não sabe sequer o que fazer para inverter este estado de coisas! Se dúvidas houve-se bastaria consultar o programa eleitoral da coligação. Tal como escrevi em Agosto de 2013, naturalmente será necessário negociar com a PT Portugal a disponibilização do espectro necessário para a difusão de novos canais no Mux A. Nada de inultrapassável pois o Estado é um importante cliente da empresa e como tal tem poder negocial. Igualmente, para os disponibilizar na TDT, será obviamente necessário renegociar junto dos operadores de TV por subscrição os contratos de distribuição da RTP Memória e RTP Informação, como o blogue TDT em Portugal referiu há bastante tempo. O facto de ainda não o ter feito diz bem da verdadeira falta de empenho do Governo. 

A subserviência dos últimos Governos aos interesses das televisões privadas e dos operadores de TV por subscrição é evidente. Se o aumento da capacidade da rede de TDT se vier realmente a concretizar e a vontade das televisões privadas prevalecer (como tem sucedido), os portugueses podem preparar-se para voltar a ter de abrir os cordões à bolsa! É que, com o pretexto da mudança para emissões em HD, se a solução tecnológica mais favorável aos operadores de televisão for adoptada pela ANACOM, isso irá obrigar a novo adiamento no aumento da oferta de canais e à compra de novos equipamentos de recepção. Se tal vier a acontecer sem uma subsidiação eficiente das despesas a incorrer pelo telespectador (como aconteceu com a migração para a TDT), isso irá motivar um novo boom na adesão a serviços de TV por subscrição! 

A promiscuidade entre o Estado e alguns órgãos de comunicação social é evidente. Nos anos 90 causou grande celeuma a afirmação do director de uma das estações privadas quando o mesmo disse que o seu canal vendia sabonetes e Presidentes da República. Hoje, o dono dessa estação (que tem fortes ligações ao principal partido da coligação) “apadrinha” um candidato à Presidência da República. Até um administrador da RTP, afirmou que o Governo estava a fazer o jogo dos privados! 

Isto acontece num país onde o jornalismo se tornou vítima dos interesses económicos. País esse em que a crítica política e social mais contundente passou a ser feita por humoristas, também eles penalizados pelo poder político e económico quando se tornam demasiado incómodos. Acontece num país em que debates entre líderes partidários para eleições legislativas são difundidos em exclusivo nos canais de notícias da TV por subscrição, excluindo desta forma mais de 20% da população! Portugal tornou-se um país cabo-dependente onde o próprio processo democrático se tornou refém dos interesses económicos! 

A televisão que temos é simultaneamente resultado e sintoma de um sistema político doente. Como tenho afirmado, o “problema” da TDT é muito mais importante do que a mera questão de se disponibilizar mais ou menos canais em sinal aberto, ele mexe com os princípios básicos associados a um Estado de direito e democrático. Enquanto a questão da TDT não for resolvida e a RTP não cumprir plenamente o seu desígnio sem discriminar os cidadãos, perdurará sempre a dúvida se o Governo que estiver em funções está a trabalhar em prol do interesse público ou capturado por interesses privados!

Actualização Jan. 2016:
As circunstancias da vida politica ditaram que o novo Governo tenha o apoio de dois partidos que defenderam o aumento do número de canais na TDT. A política do Governo é pois influenciada por três partidos (PS, BE e PCP) que defenderam nos seus programas eleitorais o aumento do número de canais da TDT, nomeadamente a disponibilização dos canais da RTP. A RTP já divulgou que pretende disponibilizar a RTP Memória e a RTP 3 na TDT. Pretende também lançar a RTP 3 Internacional, fazendo "companhia" à RTP Internacional. Defendo a disponibilização de dois canais internacionais até porque foi uma das sugestões que apresentei em 2013 na Consulta Pública ao Projecto do Contrato de Concessão da RTP. 

Sem surpresa, sempre que a RTP refere que pretende disponibilizar a RTP 3 e a RTP Memória na TDT, os dois operadores privados manifestam-se contra. Recordo mais uma vez que, até à data, apenas a RTP solicitou autorização para disponibilizar mais canais de TV na TDT. Tal como referi na consulta pública relativa à investigação aos custos e proveitos da TDT, a ERC entende que os contratos de concessão do serviço público constituem título bastante para o transporte e difusão desses serviços de programas na rede de TDT. Ou seja, a RTP não carece de autorização. Já os operadores privados não deram entrada junto da ERC ou ANACOM de qualquer pedido.

Tudo indica pois que a disponibilização na TDT da RTP Memória e da RTP 3 poderá ser uma realidade ainda em 2016. Esperemos que o Governo cumpra a palavra e não se deixe intimidar por interesses menores. Tal não teria desculpa!


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