segunda-feira, 17 de junho de 2013

Portugal não é um país "normal"

A TDT espanhola é para muitos portugueses uma alternativa aos serviços de televisão por subscrição “oferecidos” pelos operadores nacionais. A TDT de “nuestros hermanos” oferece vários canais generalistas e temáticos, muitos dos quais transmitem programas que em Portugal só estão acessíveis através de televisão por subscrição. É o caso, por exemplo, dos canais Disney Channel, Discovery Max ou MTV, como o blogue TDT em Portugal já divulgou.

TeleDeporte, Disney Channel e MTV, apenas alguns entre dezenas de canais recebidos por mim nos últimos dias a +200Km de Espanha


Em Espanha, mais de 75% dos telespectadores têm apenas o serviço de televisão “gratuito”, enquanto em Portugal, apesar da forte crise económica, a situação é sensivelmente a inversa. Não é necessário “puxar muito pela cabeça” para entender porque os números são tão díspares! A televisão que temos foi concebida para não beliscar os interesses dos operadores de televisão por subscrição e dos dois operadores privados. Naturalmente, a pobreza deliberada da oferta da nossa TDT, e a forma como foi implementada, tem fomentado a adesão (legal e ilegal) à televisão por subscrição. 

Como tantas vezes tenho escrito neste espaço, no nosso país, e ao contrário do que aconteceu em Espanha (e em praticamente todo o mundo), não houve dividendo digital para a população. Os cidadãos foram tarde e mal informados em tom de ameaça, tiveram que gastar dinheiro para não ficarem sem televisão e, no caso da TDT, pouco ou nada receberam em troca. Isto aconteceu devido à prevalência de determinados lobbies económicos sobre o interesse público. Os portugueses foram roubados

O que acontece em Portugal em pleno século XXI, em matéria de política audiovisual, descredibiliza o país, a política e os políticos nacionais. O proteccionismo descarado aos operadores existentes por parte do poder é óbvio! Se eu ou você abrir uma empresa ou um negócio qualquer, naturalmente que está sujeito a que a qualquer momento alguém abra uma empresa ou negócio concorrente do seu, que pode até ser na porta ao lado! Você não pode utilizar o argumento que o concorrente lhe vai prejudicar o negócio para o impedir. É o funcionamento do mercado e não há nada a fazer senão tentar ser melhor que os nossos concorrentes. Na TDT espanhola existe concorrência entre os grupos de media nacionais e estrangeiros. No caso da televisão portuguesa (FTA), o mercado não funciona e a regulação também não. É claramente um negócio protegido. Aparentemente, basta a quem já se instalou argumentar que o seu negócio não vai bem (e nunca vai bem, claro) e o poder cede aos seus interesses, sabe-se lá a troco de que favores. E assim continua-mos, desde 1993! 

Enquanto noutros países se assistiu (nalguns casos há décadas) ao nascimento de vários canais na televisão Free-To-Air, inclusivamente de televisão regional e local, há vinte anos que Portugal continua parado no tempo. Por exemplo, não tenho dúvidas que os governantes portugueses receiam as televisões regionais e locais! E chegamos ao insólito de haver canais classificados de interesse público, mas serem negados a todos os portugueses e serem utilizados para promover os operadores de televisão por subscrição. Logo, contribuindo para a marginalização da plataforma gratuita (TDT). 

Como afirmei na última consulta pública da Anacom, um balanço honesto da introdução da Televisão Digital Terrestre em Portugal deveria originar uma revisão das opções em matéria de televisão e a eliminação dos obstáculos ao livre funcionamento do sector. Perante a indiferença do Governo e do regulador, verifica-se que existe um conflito de interesses insanável entre a actividade de broadcasting e de fornecedor de serviços de televisão por subscrição. Como já alertei, isso poderá originar a não muito longo prazo o fim da televisão OTA (terrestre) e da própria televisão FTA. Provavelmente é já demasiado tarde, mas se nada for feito Portugal continuará a ser uma anormalidade em matéria de televisão e um péssimo exemplo.

24/06/2013: 
RTP compra direitos da Taça das Confederações mas transmite vários jogos só no cabo!
É o mais recente exemplo da gestão contra o interesse público a que a televisão pública nos tem vindo a habituar. Indiferente às críticas, a RTP continua sem qualquer pudor a descriminar os portugueses. Terá comprado os direitos para transmitir todos os jogos em sinal aberto, mas dá um "doce" aos operadores de televisão por subscrição, emitindo alguns só na RTP Informação. Alguém ainda tem dúvidas que o próprio serviço público está a sabotar a TDT?

26/07/2013 - A Inutilidade das Entidades Supervisoras
Como noticiei no inicio de Julho (Breves TDT), a autoridade da concorrência apresentou um estudo que acaba por dar razão a muitas das criticas que durante cinco anos e através do blogue TDT em Portugal tenho apontado à TDT portuguesa, recomendando várias soluções já propostas por este blogue. Tal como tenho afirmado, documentado e alertado, também a AdC reconhece agora que há um problema de concorrência, a TDT portuguesa está muito subaproveitada e recomenda a disponibilização de mais canais públicos e privados, tais como a RTP Memória e RTP Informação (solução proposta ao Governo pelo blogue TDT em Portugal em Junho de 2009!) e a abertura da TDT a canais regionais e locais.

As conclusões não poderiam ser outras, tais são as evidências, mas duvido da utilidade do estudo da AdC, pois chega demasiado tarde. Infelizmente, como é típico das entidades supervisoras/reguladoras portuguesas, os seus estudos, relatórios ou decisões raramente têm alguma utilidade porque, por norma, são sempre apresentados demasiado tarde para terem algum efeito positivo e, quando vão contra interesses fortes, são ignorados pelos governantes. São apenas para "mostrar serviço". Os cidadãos têm todos os motivos para questionar se estes estudos não são apresentados  "fora de horas" propositadamente, para não prejudicar os fortes interesses associados às matérias em apreciação.

Tal como noutros casos, com a TDT aplica-se(?) o ditado: "depois de casa roubada, trancas à porta". Só depois dos operadores de televisão por subscrição terem ganho milhões à custa de um processo de migração para a TDT vergonhoso (perante a passividade do Governo e das autoridades supervisoras) e colocado a televisão de acesso livre em Portugal à beira da extinção é que a Autoridade da Concorrência "fala". Tristemente previsível.

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sábado, 8 de junho de 2013

TDT portuguesa esquece os invisuais

Várias vezes tenho afirmado que a TDT que é “oferecida” aos portugueses fica muito aquém das possibilidades técnicas do sistema digital. E não me refiro apenas à reduzida oferta de canais de televisão (que deixa mais de 30% do espaço do multiplex desocupado) ou à ausência das rádios. Várias outras situações colocam-nos na cauda do pelotão da Televisão Digital Terrestre. Por exemplo, causa-me profunda indignação que quatro anos depois do arranque da Televisão Digital Terrestre a Portugal a televisão pública continue a desperdiçar a possibilidade de transmitir um canal de áudio-descrição nos seus canais. Ainda mais quando tecnicamente é facílimo de fazer e praticamente sem custos!

Actualmente a RTP emite áudio-descrição através da Onda Média da Antena1, uma solução manifestamente insatisfatória. Devido a insuficiências da rede de emissores, as emissões em Onda média são difíceis de captar e estão sujeitas a inúmeras fontes de interferências, quer de outras emissoras estrangeiras (principalmente à noite), quer por interferências causadas por equipamentos electrónicos em casa dos próprios ouvintes/telespectadores. Isto seria facilmente ultrapassado utilizando um canal áudio extra nos canais da RTP na TDT. Bastaria um canal áudio suplementar com um débito de 64~96Kb/s, portanto com uma utilização de espectro mínima para disponibilizar um serviço de áudio-descrição com boa qualidade técnica. O custo seria irrisório! 

Recordo que durante os jogos do Mundial de Futebol 2010 a RTP e a SIC emitiram um canal áudio suplementar em que o barulho (ensurdecedor) da Vuvuzela era filtrado. Acho incompreensível que a audio-descrição emitida através da Onda Média da Antena1 não seja também emitida através da TDT. Ainda mais porque a disponibilização de funcionalidades que proporcionem o acesso das pessoas com limitações visuais e auditivas às emissões de televisão está expressamente prevista no título que confere o direito de utilização de frequências! Isto inclui a audio-descrição e a legendagem (por teletexto e dvb). Basta os canais requerem à PTC a utilização do espectro adicional. 

Exemplo de audio-descrição na TDT espanhola 

Em Janeiro de 2009 critiquei a ausência de links de backup na rede de distribuição do sinal da RDP, o que ocasionava falhas sistemáticas de recepção em várias zonas do país. Algum (demasiado) tempo depois a RDP acabou por adoptar a solução óbvia e passou a utilizar também ligações via satélite. A TSF acabou por seguir o exemplo mais tarde (embora tecnicamente mal implementada). Em Março de 2012 publiquei um extenso post criticando o atraso na utilização do 16:9. Em Maio do mesmo ano a RTP anunciou (finalmente) que a RTP2 iria passar a difundir a sua emissão na integra em 16:9. 

Em nome de poderosos interesses, a TDT portuguesa tem sido descaradamente sabotada. O que “lá fora” funciona bem e merece nota positiva dos cidadãos, em Portugal é continuamente marginalizado. A Televisão Digital Terrestre permite aumentar a inclusão de todos os cidadãos, incluindo aqueles com necessidades especiais. Infelizmente, o serviço público de televisão que temos (que tem obrigações especiais perante a sociedade) tem demonstrado pouco interesse em cumprir a sua missão, como tenho documentado no blogue TDT em Portugal. Como é evidente, ele parece mais empenhado em incentivar a migração dos portugueses para plataformas de televisão por subscrição do que qualquer outra coisa.

É lamentável que os cidadãos tenham constantemente que recordar e pedir aos políticos e àqueles que assumem cargos de responsabilidade em empresa públicas que cumpram plenamente as suas atribuições e defendam o interesse público. Espero que não demore muito mais até que aos responsáveis pela televisão pública finalmente decidam disponibilizar a áudio-descrição na TDT.

VITÓRIA!
Ontem, 28/07/2013, a RTP transmitiu pela primeira vez através da TDT audiodescrição de um programa televisivo. Foi durante a série "Depois do Adeus" emitida pela RTP1. Após as criticas à ausência de emissão de audiodescrição através da TDT, o blogue TDT em Portugal saúda esta decisão da RTP e faz votos que mais programas sejam emitidos com audiodescrição, tanto pela RTP como pela SIC e pela TVI.

O som de audiodescrição pode ser escutado seleccionando o canal audio apropriado, premindo para tal a tecla audio do telecomando do aparelho TDT ou televisor, quando se visiona um programa com emissão de audiodescrição.

16/12/2013:
Infelizmente, tudo em Portugal é complicado! O canal som da audiodescrição emite apenas o som de audiodescrição, em vez da mistura do audio "normal" com a audiodescrição. A maioria dos equipamentos de recepção não fazem essa mistura. Resultado: ou se ouve o audio normal ou a audiodescrição. Isto acontece há quase 5 meses sem que a RTP ou a PT Comunicações rectifiquem a situação! A solução é simples: ou a RTP fornece à PT Comunicações o audio da audiodescrição já misturado, ou a PT Comunicações faz a mistura antes de enviar para o multiplexer.

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terça-feira, 7 de maio de 2013

TDT espanhola recebida

Como tenho partilhado, sob condições excepcionais de propagação recebo dezenas de canais de televisão e radio a partir da Galiza, a mais de 200Km de distância. Embora não tenha sido a primeira vez este ano (a primeira ocasião foi a 26 de Janeiro), no passado Domingo, apesar da propagação não ter sido propriamente forte, captei novamente muitos canais espanhóis: nacionais, regionais e locais. 

Enquanto por cá o regulador afirma que os operadores não têm interesse na TDT e se discute o sexo dos anjos, de Espanha chegam-nos sinais de um país onde a TDT é um sucesso. Um sucesso que diga-se, incomoda alguns responsáveis portugueses. Mas não faz mal, a TDT espanhola tem muitos canais de TV e rádio, HD e até funcionalidades avançadas, mas a nossa TDT tem o Canal Parlamento e a espanhola não!!! Nós é que somos um país moderno! Um exemplo em matéria de TDT :)

Capturas de alguns dos canais recebidos:

Telecinco HD

 TVE HD

GRAN HERMANO - Big Brother no novo canal Nueve

TVG2 (Galego)

V Televisión (Galego)

Popular TV Galicia

Localia Vigo (Galego)

Televigo (Galego)

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quinta-feira, 2 de maio de 2013

O (des)interesse pela TDT

Quatro anos após o seu arranque oficial, a Televisão Digital Terrestre portuguesa permanece parada no tempo. A oferta de canais é uma das mais reduzidas a nível mundial, ficando atrás de muitos países do chamado terceiro mundo. Há igualmente um grande desaproveitamento das funcionalidades do sistema DVB-T como, por exemplo, a ausência da audiodescrição para os cidadãos invisuais. 

Há muito tempo que para mim é claro que a introdução da TDT em Portugal foi fortemente condicionada por lobbies económicos e políticos. Como se explica que exista espectro disponível e canais classificados de interesse público (RTP Memória e RTP Informação), mas quatro anos depois do arranque da TDT continuem negados a todos os portugueses? O único lobby que não funciona em Portugal é o lobby dos cidadãos! Isso revela falta de democracia e de cidadania.

Veja-se o caso do tristemente célebre Canal HD, o canal “fantasma” da TDT. Este canal foi uma das farsas da TDT portuguesa! Destinado a emitir programação em Alta Definição dos três operadores (RTP, SIC e TVI) até Abril de 2012, o canal funcionou apenas algumas semanas em fase de “testes” com emissão rotativa de canais do MEO. Não foi lançado, alegadamente por falta de acordo entre a RTP, SIC e TVI. E refira-se também que RTP, SIC e TVI, através de posição conjunta em consulta pública, afirmaram não acreditar na viabilidade de mais canais na TDT. Ou seja, há muito tempo que está mais que comprovado que os operadores media portugueses não estão interessados na TDT. Houve sim, interesse em afastar qualquer decisão que abrisse a porta a novos canais. Mas se dos operadores nacionais não há que esperar qualquer contributo positivo para a TDT, do regulador também não! A presidente da Anacom afirmou que não há mais canais porque não há interesse por parte dos operadores. Ora, isto é tudo menos transparente! Que operadores? Nacionais? Internacionais? Com a protecção de que beneficiam os operadores nacionais, porque razão haveriam de ter algum interesse em melhorar a sua oferta na TDT? Se o próprio Estado atenta contra a TDT, porque haveriam os privados de apostar nela? Se a política de forçar os portugueses a aderir a operadores de TV por subscrição dá resultados tão bons, para quê investir na TDT? 

O blogue TDT em Portugal já por duas vezes pediu informação a respeito do licenciamento de espectro para novos canais de âmbito nacional, regional e local. Continua á espera de resposta. Parece que há receio de abertura de concursos internacionais, pois poderiam trazer concorrência aos operadores nacionais, os tais que não estão interessados em disponibilizar novos canais. Como o blogue TDT em Portugal informou, em 2012 a VIACOM lançou na TDT espanhola o canal de cinema Paramount Channel e afirmou tencionar alargar a presença do canal a novos mercados. Tal como aconteceu com o concurso da TDT paga, em que o espectro retornou à ANACOM sem abertura de novo concurso, parece continuar uma política de protecção descarada aos operadores nacionais, apesar dos mesmos parecerem apostados no definhamento da TDT. Mas que confiança podem ter eventuais operadores internacionais nas entidades portuguesas após a forma como a Airplus foi tratada em Portugal? 

Mesmo após a imposição da ARTV - Canal Parlamento à população, um canal part-time que na TDT terá uma audiência média diária de duzentas pessoas, mais de 30% do espaço do multiplex A continua desaproveitado. Existe espectro disponível suficiente para emitir também a RTP Memória, a RTP Informação e todas as rádios públicas, com boa qualidade de imagem e som. 

Em muitos países foi o serviço público que liderou a aposta na televisão digital terrestre. O problema é que a RTP não está interessada em tornar os canais acessíveis a todos os portugueses! Infelizmente temos um serviço público que é cada vez menos público e mais privado, pois cada vez mais promove as plataformas de televisão por subscrição em detrimento da TDT. 

Dada a pobreza da nossa TDT, não estranha por isso que o número de lares que recebem apenas TDT esteja em queda acentuada. Poderá já não estar longe o dia em que os operadores nacionais não estarão dispostos a suportar os custos com a sua emissão na TDT. Quando esse dia chegar os canais irão reivindicar uma de duas coisas: a redução brutal dos custos de emissão na TDT ou o abandono puro e simples da mesma, forçando a população que ainda depende da TDT a aderir a um serviço prestado por um operador de televisão paga. Isso acontecerá naturalmente com o acordo das operadoras de TV paga, que poderão criar pacotes especiais com um número limitado de canais, a preço reduzido ou mesmo custeados pelos canais e gratuitos para o público. Com estes governantes e a sua política de “deixa andar” é para aí que caminhamos. 

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