quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Rede temporária TDT vai manter-se por mais 6 meses

A ANACOM anunciou a renovação por mais 180 dias da licença que permite à PTC utilizar três frequências adicionais para a difusão do sinal TDT no Continente. Como o blogue TDT em Portugal informou em Maio, havia sido concedida autorização para a emissão temporária e simultânea do sinal TDT por 180 dias a partir do emissor do Monte da Virgem, Lousã e Montejunto. Esta rede deverá portanto manter-se em funcionamento até Maio de 2013. No entanto, parece ser desejo da PTC manter em funcionamento permanente a rede MFN o que implicará a emissão de uma licença definitiva.

A rede temporária MFN (multi-frequência), recordo, foi activada em Maio como alternativa temporária à rede principal devido a deficiências detectadas na cobertura do sinal. Deficiências essas detectadas tardiamente (pelo operador e pelo regulador), devido à forma como decorreu o processo de migração e switch-off, com a esmagadora maioria da população a fazer a migração praticamente em cima das datas limite, o que naturalmente não permitiu a detecção e correcção atempada de muitas situações de dificuldade de recepção antes do switch-off, como por diversas ocasiões alertei iria suceder. O período de simulcast, destinado precisamente a detectar e retificar estas situações, foi essêncialmente desperdiçado!

Segundo a PTC foram efectuados vários procedimentos de optimização da rede SFN:
  • "Atrasos de lançamento" em algumas estações;
  • Instalação de 12 novos emissores;
  • Abaixamento do diagrama de radiação vertical em 11 emissores;
  • Transformação de 9 gap-fillers em emissores;
  • Modificação do diagrama de radiação horizontal de 3 estações.
Por "atrasos de lançamento" a PTC possivelmente refere-se ao "acerto" do sincronismo dos emissores! Para além destes procedimentos, apesar de não o referir, a PTC procedeu também à alteração da potência de emissão de vários emissores. Segundo estimativas da ANACOM, estes procedimentos permitiram aumentar a cobertura da rede TDT (C56) no Continente em cerca de 30.000 pessoas. Informa também que estão em fase de estudo e planeamento acções de intervenção para o Baixo Alentejo e Algarve.

Parece evidente que a PTC não irá optimizar muito mais a rede SFN. Mas a utilização dos três emissores em rede MFN complementar (Monte da Virgem, Lousã e Montejunto) é apenas a solução mais económica para minorar as deficiências de cobertura. No entanto a orografia do país poderia ser melhor aproveitada para melhorar em muito a cobertura e também praticamente eliminar os problemas causados por fenómenos de propagação anormal do sinal. Os problemas de recepção no litoral aquando da presença de fenómenos de propagação devem-se fundamentalmente à quase ausência de barreiras naturais à propagação do sinal (terreno relativamente plano), o que em muitos locais pode permitir a recepção de vários emissores distantes. A localização dos emissores actuais nesta zona (utilizando o canal 56) obriga em muitos casos a uma orientação das antenas de recepção praticamente paralela à costa, o que favorece a captação de emissões indesejadas. Utilizando-se sites adicionais e localizados a cotas mais elevadas (mas utilizando diagramas de radiação com restrições) seria possível diminuir o número de "zonas de sombra" e praticamente evitar totalmente os problemas da auto-interferência entre emissores, pois dessa forma, nas zonas problemáticas a orientação das antenas de recepção poderia ser feita de forma perpendicular à costa, o que iria bloquear a recepção da maioria das emissões interferentes. Creio que a PTC não adoptou esta solução por motivos económicos. A solução de rede temporária adoptada acaba por ser mais económica e provavelmente a PTC até vai conseguir a utilização do espectro dos canais 42,46 e 49 sem pagar por ele.

A propósito de rede TDT, tenho monitorizado o sinal (na região de Aveiro) e confirmo a melhoria das condições de recepção, nomeadamente a estabilidade do sinal. Tenho visitado também vários sites de emissão e também com base em inúmeras fotos recebidas de vários pontos do país, excluindo a ausência de utilização de tilt nas antenas (que parece ter sido esquecida aquando do planeamento da rede), posso assegurar que foram de facto tomadas algumas precauções básicas relativamente a alguns sites “sensíveis”. É o caso do emissor da Serra da Boa Viagem (Figueira da Foz). Neste emissor são utilizados dois grupos de 3 painéis (ao contrário da mais habitual configuração de grupos de 4 painéis), orientados de forma a que a “face” sem painéis fica voltada para o litoral norte. Ao contrário do que alguns poderão pensar, apesar de não existirem painéis emissores numa direcção há sempre alguma radiação de sinal nessa direcção, embora fortemente atenuada. É o que acontece com este emissor. A cobertura a partir do emissor da Boa Viagem, junto à costa norte só é possível nas localidades muito próximas, mas melhora substancialmente à medida que nos afastamos do mar. Isto é tecnicamente correcto face ao que tenho referido a propósito das condições de propagação junto à costa.

Já para a emissão no canal 56 a partir do emissor da Lousã (Trevim) não encontro explicação. Este emissor está localizado a uma cota de 1190m, utiliza 750W de PAR e, pelo que pude apurar, emite para todos (ou praticamente todos) os quadrantes! Mesmo que seja utilizado tilt nas antenas, parece-me pouco credível que seja possível evitar a degradação do sinal em determinadas zonas mais afastadas. Aliás, os problemas de recepção do sinal durante o passado verão na zona de Estarreja, reportados na comunicação social, bem poderão ter sido motivados, pelo menos em parte, por interferência a partir deste emissor que teoricamente chega a esta zona já fora do chamado Intervalo de Guarda (esta situação poderá entretanto já ter sido corrigida). Não encontro explicação para o emissor da Lousã permanecer no ar com esta configuração sobretudo se a emissão no canal 46 passar a definitiva.

O ditado é antigo: “não há omelete sem ovos”. Se em 2010 a PT tivesse avançado com a sua oferta de TV por subscrição através da TDT não duvido que a qualidade de cobertura seria superior à actual. Parece-me que se pretende culpar os "fenómenos naturais" (que qualquer técnico envolvido no planeamento de redes de radiocomunicações deverá ter em conta), pelas deficiências da rede TDT. A PTC apresentou nos concursos um plano técnico de cobertura que na prática parece não assegurar os níveis de qualidade do serviço que a mesma estaria obrigada a prestar. A rede temporária, portanto, provavelmente irá passar a definitiva. Resta também saber se a PTC irá pagar pela utilização do espectro adicional (como seria normal) e se vai repercutir esse custo no valor que cobra aos canais. Se a utilização do espectro adicional lhe for concedida de forma gratuita ficará ainda mais desacreditada a desculpa da não emissão na TDT dos canais de interesse público RTP Memória e RTP Informação, pois terão que explicar aos portugueses porque motivo o espectro necessário para emitir esses canais não pode também ser cedido gratuitamente pelo Estado.

21/01/2013:
Na sequência dos problemas identificados na rede TDT e amplamente abordados no blogue TDT em Portugal, a ANACOM abre agora uma consulta pública sobre os cenários de evolução da actual rede de televisão digital terrestre. Em "discussão" estão cinco cenários:
  • Eliminação da rede em overlay (rede temporária) e operação exclusiva da rede SFN no canal 56;
  • Manutenção da rede em overlay;
  • Eliminação dos três emissores do canal 56 co-localizados com os emissores da rede em overlay;
  • Alteração do canal de emissão dos emissores da rede SFN, localizados no interior das zonas de cobertura dos emissores da rede overlay do Monte da Virgem e da Lousã;
  • Alteração da configuração para uma rede MFN (MFN de SFN’s).
A consulta decorre pelo período de 10 dias úteis, terminando a 1 de Fevereiro, devendo os contributos ser enviados, preferencialmente por correio electrónico, para o endereço evolucao.TDT@anacom.pt. O prazo parece-me demasiado curto dada a complexidade técnica do assunto em "discussão".

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sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Captura

Seis meses após o apagão final da televisão analógica, os portugueses estão a colher os frutos da má semente que foi semeada. Infelizmente muitos "acordaram" tarde. Como já disse praticamente tudo o que havia a dizer sobre a TDT "Made in PT", deixou-vos com três pequenas "memórias" do passado, para reflexão.

A propósito da desistência da PT aos Muxes B-F:
«Esta decisão da PT representa um rude golpe na TDT portuguesa, mas também na credibilidade e imagem da Portugal Telecom e da autoridade reguladora! Se o processo de transição para a TDT já se antevia difícil, agora será ainda mais complicado.» Blogue TDT em Portugal, 22/01/2010.

Ou, a propósito do (na minha opinião) não cumprimento da data limite para a conclusão da cobertura do sinal, após um responsável da ANACOM ter afirmado que as obrigações de cobertura da totalidade do território tinham ficado concluídas em Dezembro de 2010:
«A última coisa que a TDT portuguesa necessitava era um regulador desacreditado, mas creio que agora não restam dúvidas que (no mínimo) a verdade tem sido distorcida. Claro que isto levanta questões muito sérias que outras pessoas ou entidades responsáveis poderão desenvolver nas instâncias próprias. Haja interesse e coragem». Blogue TDT em Portugal, 3/05/2011.

Ou, as “incompreensíveis ” explicações do presidente da ANACOM no Parlamento a propósito da aceitação da revogação das licenças da TDT paga:
«Disse o presidente da ANACOM que a PT lançou o MEO devido ao atraso do concurso da TDT (paga) devido às complicações legais (recurso da Airplus). Ora, a PT lançou o MEO (em Cabo, IPTV e satélite) em 2 de Abril de 2008, dois meses antes de serem conhecidos os resultados dos concursos da TDT! Mais, em Janeiro de 2008 (antes do inicio da data de apresentação de candidaturas aos concursos TDT) a PT já havia informado que iria lançar o serviço MEO Satélite em Abril. Parece-me que só a ANACOM aceitou as justificações da PTC, o que é, digamos… “estranho”.» Blogue TDT em Portugal, 24/09/2011.

Em Janeiro de 2010 partilhei o meu entendimento sobre o motivo para a desistência da TDT paga:
«...Depois de ter lutado para afastar o seu único concorrente (AirPlus) e ter repetidamente garantido que o avanço do seu projecto de TDT paga não estaria em causa, a PT solicitou à Anacom a revogação das licenças relativas aos Mux's da TDT paga!
Penso que fica agora claro quais foram as alegadas alterações de mercado. É que a PT avançou para a massificação do serviço Meo através do Meo Satélite (com sucesso), na mesma altura em que concorria às licenças da TDT. Á luz dos mais recentes desenvolvimentos, é legítimo considerar que a candidatura às licenças da TDT paga, não passou de uma estratégia para eliminar a concorrência.
Julgo também, ter ficado claro que, desde muito cedo a PT terá desistido da TDT. Recordo que já em Abril de 2009 (curiosamente apenas alguns dias após a AirPlus ter anunciado a sua desistência de continuar a "lutar" nos tribunais e da extinção da sua filial em Portugal), o presidente executivo da PT tinha falado em «alteração de circunstâncias de mercado» e que em Maio do mesmo ano alertei que a TDT paga tinha sido aparentemente "esquecida" pela PT nos testes de compatibilidade dos equipamentos. Mas, já na fase de consultas dos concursos, a PT considerava a TDT como «uma plataforma de televisão digital alternativa às existentes, designadamente cabo e satélite»....» Blogue TDT em Portugal, 22/01/2010

"Sinais" creio que não faltaram. Pergunto: se o regulador depende do Governo (laranja, rosa, azul ou outro), se existe "captura" do regulador, a captura não será antes do próprio Governo?

19/11/2012:
Segundo notícias recentes, a ANACOM irá realizar dois estudos sobre a TDT. Um sobre que supostamente pretende recolher informação sobre o processo de migração na "óptica do consumidor". O outro, que decorrerá em 2013, visará a qualidade de recepção do sinal TDT e será levado a cabo por "especialistas da área". 

Sendo conhecida a contradição flagrante entre o discurso oficial do regulador (para quem essencialmente tudo correu bem) e a dos consumidores, não seria recomendável que estes estudos fossem efectuados por empresas independentes, não portuguesas e seleccionadas através de concurso público? 
 
Quem ainda não está familiarizado com o frágil "ecosistema" da TDT portuguesa pode encontrar mais "material de estudo" na coluna à direita ;)